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LIBERDADE CULTURAL (1975)

O tema da liberdade cultural está presente nos debates da Assembleia Constituinte de 1975-1976, em particular na questão relativa à intervenção do Estado na programação ideológica da cultura.
Sophia de Mello Breyner e Barbosa de Melo. AHP.
Sessão da Assembleia Constituinte. ANTT.
Sottomayor Cardia e Vital Moreira. AHP.
Na sessão de 2 de setembro de 1975, realiza-se o debate na especialidade dos artigos 28.º e 29.º apresentados pela Comissão de Direitos e Deveres Fundamentais (Títulos I e II):

"Artigo 28.º
1 - É livre a criação intelectual, artística e científica.
2 - Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a proteção legal dos direitos de autor.

Artigo 29.º
É garantida a liberdade de aprender e ensinar."

A Deputada Sophia de Mello Breyner (PS) intervém na defesa da liberdade da cultura, que considera um fator determinante na transformação da sociedade e na libertação dos seres humanos. Trata-se, de acordo com a Deputada, da "cultura real", caracterizada como revolucionária, e não da cultura como um luxo de uma classe privilegiada ou um enfeite da vida.

Acrescenta ainda que a revolução cultural só é possível com a liberdade da crítica e sem "dirigismo" ou "paternalismo" cultural do poder político:

"Queremos uma relação limpa e saudável entre a cultura e a política. Não queremos opressão cultural. Também não queremos dirigismo cultural. A política, sempre que quer dirigir a cultura, engana-se. Pois o dirigismo é uma forma de anticultura e toda a anticultura é reacionária."

Mais tarde, sobre o artigo relativo à liberdade de aprender e ensinar, afirma:

"O socialismo será construído através da união entre intelectuais com todos os trabalhadores. Através de uma revolução cultural, que nos pede toda a nossa imaginação, que nascerá de formas de criação livremente críticas e, por isso, livre na sua participação."

Aprovados os princípios constitucionais da liberdade cultural e de ensino, Barbosa de Melo (PPD) apela ao Ministério da Educação e Investigação Científica para que, na sua política, "faça entrar o princípio da liberdade de espírito", nomeadamente, nas "instruções e circulares que difunde" e "nos programas e livros que aprova e recomenda".

No debate na generalidade do texto da Comissão de Direitos e Deveres Fundamentais (Título III – Direitos e Deveres Económicos, Sociais e Culturais), na sessão de 11 de setembro, José Augusto Seabra (PPD) levanta a questão da intervenção do Estado no plano da cultura, alertando para a necessidade de conciliar o planeamento com a garantia da diversidade da criação cultural nas suas diferentes formas, referindo as "culturas pleonasticamente ditas cultas" e as "culturas populares". O Estado não deve impor "uma diretriz única da cultura, quer no plano filosófico, quer no plano estético, quer no plano ideológico", deve antes garantir que sejam dados meios para a criatividade se exprimir livremente. 

Sousa Pereira (MDP/CDE) contesta a intervenção de José Augusto Seabra, defendendo que o Estado não pode ser neutro e deve programar a cultura de acordo com diretrizes que permitam uma revolução cultural.

O confronto sobre esta matéria tem a maior expressão no debate na especialidade do artigo 27.º (Cultura), nomeadamente no respeitante ao seu n.º 3:

"O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas."

Na sessão de 9 de outubro, O MDP/CDE propõe a eliminação deste número. Sousa Pereira invoca o "sistemático aproveitamento pelas classes dominantes das conquistas culturais" para recusar uma atitude do Estado "passiva e acéfala em relação à cultura":

"Se consideramos fundamental a construção do socialismo, só duas posições nos restam: ou consideramos que nesse caminho a educação tem papel importante e por isso deve ser orientada, planificada e programada; ou consideramos que não tem e por isso serão desnecessários os cuidados aqui expressos."

Na resposta, Sottomayor Cardia, manifesta-se contra a "unicidade cultural e intelectual" e pela manutenção do n.º 3 do artigo:

"É a recusa da filosofia, da estética oficial, da ideologia oficial e da religião oficial. Do mesmo modo é a recusa do controlo político do conteúdo da cultura e da educação. Na verdade nós, socialistas, não queremos filosofia única nem estética única, nem política única, nem religião única, nem ideologia única."

Sousa Pereira volta a usar da palavra, reforçando que se trata de o Estado garantir, através de diretrizes culturais, o prosseguimento do fim a que se destina, a construção de uma sociedade sem classes:

"(...) para construir esse Estado socialista é necessário, é fundamental, que o Estado siga uma política cultural coerente e que conduza a essa sociedade sem classes, a essa sociedade em que a exploração do homem pelo homem seja eliminada."

Na mesma sessão, o PCP, não apoiando a eliminação do n.º 3 do artigo, apresenta uma proposta de substituição do texto:

"Sem prejuízo da liberdade cultural, filosófica, estética, política, ideológica e religiosa, o Estado apoiará e estimulará as necessárias transformações culturais da sociedade portuguesa no sentido da construção de uma sociedade socialista."

Contra um tipo de cultura que caracteriza como "senhorial", Vital Moreira entende que a revolução cultural apenas pode ter lugar com a intervenção do Estado, sem limitar, no entanto, a pluralidade das expressões culturais.

De acordo com o Deputado do PCP, apenas com a consignação na Constituição do direito de intervenção do Estado nas áreas culturais e educativas é possível, por exemplo, "alterar necessariamente os programas de ensino, alterar a visão idealista, para não dizer pior, da interpretação da História, (…) alterar os programas fascistas do ensino, sem que lhe seja assacado imediatamente que ele está a violar esta norma constitucional", impondo um "monolitismo cultural".

Entre as propostas de alteração apresentadas na sessão, encontra-se uma do CDS para a introdução de um novo número relativo à educação, integrando a questão cultural e a questão educacional no mesmo artigo:

"4 - O Estado promoverá a democratização da educação e as condições para que a educação realizada através da escola e de outros meios formativos contribua para o progresso harmonioso da sociedade democrática."

A redação final da Constituição de 1976 consagraria as seguintes disposições sobre esta matéria:

"Artigo 42.º
(Liberdade de criação cultural)
1. É livre a criação intelectual, artística e científica.
2. Esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a proteção legal dos direitos de autor.

Artigo 43.º
(Liberdade de aprender e ensinar)
1. É garantida a liberdade de aprender e ensinar.
2. O Estado não pode atribuir-se o direito de programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
3. O ensino público não será confessional.

Artigo 73.º
(Educação e cultura)
1. Todos têm direito à educação e à cultura.
2. O Estado promoverá a democratização da educação e as condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para o desenvolvimento da personalidade e para o progresso da sociedade democrática e socialista.
3. O Estado promoverá a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos, em especial dos trabalhadores, à fruição e criação cultural, através de organizações populares de base, coletividades de cultura e recreio, meios de comunicação social e outros meios adequados."

Redação atual dos artigos:
Artigo 42.º (Liberdade de criação cultural), Artigo 43.º (Liberdade de aprender e ensinar); Artigo 73.º (Educação, cultura e ciência).
Mais informações em: www.parlamento.pt
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