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Sala das Sessões do Senado, J. Fernandes, 1914, MUS 808.
Pormenor da fachada do edifício do Parlamento, c. 1920, AF-CML.
"O Século Cómico", 30 de agosto de 1920.
DEMISSÃO DAS FUNCIONÁRIAS PÚBLICAS (1926)

Na sessão de 2 de março de 1926 do Senado da República, Ribeiro de Melo apresenta um projeto de lei para a demissão dos funcionários públicos do sexo feminino, justificando que a presença de mulheres nos Ministérios “faz afronta à opinião pública pelo facto de não possuírem as habilitações literárias indispensáveis ao exercício de funções e bem assim por não terem sido escolhidos entre os que possuíssem a mais perfeita educação e abonadas por um passado de boa moral e de bem conhecida educação familiar.”

De acordo com o Senador, a contratação de mulheres tem origem em favores políticos, prejudicando homens “dedicados e honestos funcionários públicos”. Critica ainda o aumento de funcionárias nos vários Ministérios, oriundas do extinto Ministério dos Abastecimentos, como fator de agravamento da situação económica do país.

A iniciativa de Ribeiro de Melo prevê, entre outras medidas, a demissão das mulheres que não façam prova das suas habilitações literárias, a supressão da carreira de datilógrafa e consequente demissão das funcionárias que preencham esses lugares e o pagamento único de 1000$00 às empregadas demitidas.

O Senador entende o seu projeto como uma reparação dos erros cometidos na contratação de funcionários públicos pela República, por exemplo, como forma de compensação às famílias dos combatentes. Denuncia a proteção excessiva das mulheres empregadas nos Ministérios, originando uma concorrência desleal com os homens:

“A proteção aos funcionários do sexo feminino tem sido tão grande que se as faltas que cometem fossem cometidas por funcionários do sexo masculino, jamais estes poderiam conseguir a sua readmissão a não ser por via duma lei de favor igual às muitas que nós temos votado.”


Negando ser antifeminista, denuncia as irregularidades na contratação de mulheres sem competências para exercerem funções públicas, apenas como “prémio de honra militar devido aos pais, aos irmãos ou ainda aos antepassados mais próximos”, transformando o Estado em asilo “onde se [acolhem] numa promiscuidade tamanha homens e mulheres em plena força da vida, entre 22, 25 e 30 anos”.

Na resposta, o Senador Medeiros Franco insurge-se contra o projeto de lei, que classifica de “antiquado” e “atentatório da dignidade da mulher”, condenando-a “a ser apenas doméstica” e negando-lhe “um lugar na vida pública que ela tem conquistado pelo seu valor e pela sua moral”.

Defende que não compete ao Parlamento demitir funcionários, com o objetivo de reduzir a despesa do Estado. A demissão dos funcionários deve ser fundamentada através de processo disciplinar, independentemente do sexo, “pois há muitas mulheres que produzem mais do que funcionários do sexo masculino”. Acusa ainda Ribeiro de Melo de procurar apenas atingir as mulheres, ao invés de propor uma reestruturação do funcionalismo público, .

O Senador Medeiros Franco termina ironizando sobre o pagamento de 1000$00, “de uma só vez, e num só dia”, às mulheres despedidas:

“O ilustre Senador quer renovar as bichas, indo os funcionários do sexo feminino, no dia em que isto seja posto em vigor, receber todos juntos o seu prémio de consolação...
(…)
Mas naturalmente pretende V. Ex. fazer substituir as datilógrafas por datilógrafos.”

O debate continua na sessão do dia seguinte com o Senador Fernando de Sousa a manifestar-se contra o projeto de lei, apesar de reconhecer nos seus princípios o intuito louvável de “moralizar a administração pública e de remediar males verdadeiramente escandalosos”:

“Poderíamos em rigor admitir o princípio salutar de administração contido no projeto, mas tínhamos de generalizar a sua aplicação em proporções extraordinárias, pois que haveria de olhar à invasão de milhares de funcionários que sucessivamente entraram por favor e de roldão por todas as repartições públicas sem merecimentos, nem habilitações, a ponto de nem haver lugares que ocupassem.”

O Senador manifesta a sua indignação contra “a invasão dos bandos de datilógrafas”. Relata um episódio em que “três ou quatro meninas de saia curta e corpete decotado” escreviam à máquina, entre “grande galhofa”, num gabinete no Ministério dos Abastecimentos. Comenta que “era tal a risota lá dentro que parecia que havia ali um viveiro de canários, tal a alegria e desafogo joviais dessas meninas”. Mas, logo de seguida, opõe-se à generalização a partir deste caso, referindo a existência de datilógrafas sérias e qualificadas, e critica o afastamento das mulheres de determinados cargos:

“De modo algum posso perfilhar o feminismo revolucionário, que faz da mulher uma virago emancipada, mas há um feminismo cristão que respeita a dignidade e os direitos da mulher na vida de família, e na sociedade civil. Esse professo-o, e por isso não posso perfilhar censuras e recusa em absoluto à mulher de ocupar certos lugares.”

Seguem-se outras intervenções enaltecendo, por um lado, o propósito da iniciativa de remodelar o funcionalismo público, mas, por outro, acusando o radicalismo e a violência na forma como fora apresentada.

O autor do projeto volta a defender a sua posição “de um republicano que quer a masculinização dos serviços públicos e não quer a promiscuidade” e termina o seu discurso afirmando:

“Os homens têm uma função mais alta que as mulheres, porque são eles que precisam de arranjar o sustento de seus filhos e dispensar a sua proteção às mulheres.”

O projeto de lei de Ribeiro de Melo é rejeitado, tal como a moção apresentada, no mesmo debate, pelo Senador Querubim Guimarães, apelando ao Governo para não protelar a remodelação do funcionalismo público.

Cerca de três meses depois, o Parlamento é encerrado na sequência do Golpe Militar de 28 de Maio de 1926, que põe fim ao período da I República.
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