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OS ÚLTIMOS MESES DA ASSEMBLEIA NACIONAL (1974)

A política ultramarina domina os últimos meses do regime do Estado Novo. Desgastado com treze anos de guerra colonial, cuja contestação se alarga a diversos setores, o Governo serve-se do instrumento da censura e de uma estratégia de comunicação que apela aos valores do patriotismo, da integridade do território e da união entre os portugueses.
"Diário de Lisboa", 9 de março de 1974. Fundação Mário Soares.
"Diário de Lisboa", 15 de março de 1974. Fundação Mário Soares.
"Diário de Lisboa", 17 de março de 1974. Fundação Mário Soares.
"Diário de Lisboa", 20 de março de 1974. Fundação Mário Soares.
As sessões da Assembleia Nacional refletem a ideologia do regime. Os primeiros meses de 1974 são marcados pela questão africana, em particular, pelo discurso do Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, sobre política ultramarina, a que se seguiu um longo debate sobre uma moção de apoio à estratégia governativa nesta matéria. A 14 de março, realiza-se no Palácio de São Bento uma cerimónia de apoio ao Governo dos chefes militares, que ficariam conhecidos por "Brigada do reumático". Dois dias depois, tem lugar o Golpe das Caldas, repudiado na Assembleia Nacional, que, a partir dessa data, pouco evidencia a situação política vivida no país.

O Presidente do Conselho, Marcelo Caetano, dirige-se à Assembleia Nacional, no dia 5 de março de 1974, sobre a questão do Ultramar, que considera "o mais grave problema que presentemente se põe à Nação Portuguesa". Afirma que a política ultramarina a prosseguir é a "de defender energicamente em todos os campos a integridade de Portugal aquém e além-mar", independentemente do seu custo financeiro.

Nas sessões seguintes, a Assembleia Nacional debate uma proposta de moção de apoio à política ultramarina do Governo, apresentada pelo Presidente da Comissão do Ultramar, Neto Miranda.

A 7 de março, têm lugar várias intervenções alinhadas na defesa da "unidade da Nação" nas diferentes "parcelas multirraciais" que constituem Portugal. Como condição da autonomia prevista constitucionalmente, é referida a necessidade do desenvolvimento social, cultural e económico das populações.

Será a intervenção de Mota Amaral a provocar a maior agitação no Hemiciclo, salientando o pedido do Presidente do Conselho para se realizar na Assembleia Nacional um debate em torno da questão ultramarina e reforçando o princípio apresentado por Marcelo Caetano de uma "autonomia progressiva e participada do ultramar".

Ao referir que Portugal está numa guerra que se pode perder e que a questão é política, Mota Amaral é interrompido por Casal-Ribeiro e Henrique Tenreiro – "Já ouvi isto…", "Também já ouvi…" – numa alusão às teses defendidas por Spínola no livro Portugal e o futuro.

Comentários que voltam a surgir quando Mota Amaral salienta como a "autonomia progressiva e participada do ultramar" está longe do "conteúdo político e ideológico do «império colonial português» do primeiro período da era salazariana..." e questiona "se a nova política ultramarina, iniciada duas ou três décadas mais cedo, antecipando-se ao movimento da descolonização, não teria tornado possível garantir pelos séculos fora [a] presença lusíada em Goa, poupando-nos do mesmo passo tantas das arrelias e sofrimentos dos últimos e conturbados treze anos."

Respondendo a Casal-Ribeiro, que afirma que o discurso do orador tem "umas certas parecenças com alguma coisa que eu li há pouco tempo...", Mota Amaral provoca os risos da Assembleia: "Isto é como nos filmes, qualquer semelhança é pura coincidência..." Critica ainda ao caráter vago da redação da moção ao enunciar o "apoio à política do Governo [...], em particular no que respeita à defesa e valorização do ultramar" e mantém a sua posição:

"Se a gravidade da situação na metrópole e nos outros territórios portugueses chega ao ponto de o Chefe do Governo ter de vir pedir a esta Assembleia – facto, julgo eu, sem precedentes na vigência da Constituição de 1933 – um voto de confirmação da sua política ultramarina, não podemos nós fugir às responsabilidades que nos cabem como representantes da Nação. A Assembleia Nacional tem, pois, de manifestar-se claramente e sem tibiezas a favor da autonomia progressiva e participada do ultramar."

Ao afirmar não ser "inglório lutar e porventura morrer para criar novos países se assim no futuro, quando o futuro o disser, tal vier a acontecer", Mota Amaral volta a enfrentar Casal-Ribeiro:

"O Sr. Casal-Ribeiro: – Mas V. Exa. refere-se à formação de novos países?
O Orador [Mota Amaral]: – Foi exatamente disso que eu falei.
O Sr. Casal-Ribeiro: – Ai! Sr. Deputado, como está!
O Orador: – Estou bem. Muito obrigado!
O Sr. Casal-Ribeiro: – Parece-me que está bastante mal e a precisar de médico.
O Orador: – Se acaso assim fosse, não faltam médicos na sala."

Momentos depois, novo embate do Deputado Casal-Ribeiro:

"Eu bem sei que V Exa. é muito novo. Ó Sr. Deputado, desculpe, que idade tem?
O Orador [Mota Amaral]: – Tenho trinta anos.
O Sr. Casal-Ribeiro: – O Sr. Deputado fez serviço militar?
O Orador: – Cumpri todas as minhas obrigações militares, Sr. Deputado.
O Sr. Casal-Ribeiro: – E o Sr. Deputado foi à África?
O Orador: – Não estive na África.
O Sr. Casal-Ribeiro: – Ai que pena! Ai que pena!"

No dia 14 de março, realiza-se no Palácio de São Bento uma cerimónia de apoio à política ultramarina pelos generais, que ficariam conhecidos como "Brigada do reumático", em que Marcelo Caetano afirma que "o país está seguro de que conta com as suas forças armadas".

Dois dias depois, tem lugar uma tentativa de golpe de Estado, protagonizada pelo Regimento de Infantaria n.º 5 das Caldas da Rainha, que avança sobre Lisboa. Na sessão de 19 de março de 1974, o Deputado Albino dos Reis condena aquele movimento, que qualifica como "subversivo, de insubordinação e de rebeldia", e defende as políticas para a "preservação da nossa unidade através de todos os continentes".

Os debates da Assembleia Nacional que se seguem no mês seguinte, versando temas como criação de secções cíveis e criminais nas relações, a transplantação de tecidos em órgãos de pessoas vivas, o plano estadual de habitação e urbanismo para os Estados de Angola e Moçambique ou a formação profissional agrícola, não refletem já a questão do Ultramar.

Exceção, no entanto, para Henrique Tenreiro, que, na véspera da queda do regime, defende, pela última vez na Assembleia Nacional, a política ultramarina do Governo.

No dia 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas punha fim ao regime ditatorial do Estado Novo e à Assembleia Nacional, dando origem ao processo de descolonização e independência das antigas colónias.

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