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PARLAMENTÊS | AS "MÃOS INVISÍVEIS"

Ao descrever os vários serviços da Assembleia da República, há explicações que se vão sedimentando no léxico parlamentar, na maior parte dos casos porque assumem uma proporção harmoniosa entre a descrição sintética da realidade e a informação do contributo que cada unidade orgânica oferece para o todo produzido diariamente pelo Parlamento.

A descrição de funções daqueles que, dentro da Divisão de Redação e Apoio Audiovisual, são responsáveis pelos conteúdos da I Série do Diário da Assembleia da República é, geralmente, acompanhada por uma explicação mais ou menos extensa da importância histórica do serviço (que existe como tal desde o início do parlamentarismo), da relevância deste trabalho para a atividade dos parlamentares, bem como para o dos estudiosos do parlamentarismo, da Sociologia e do Direito, para os operadores jurídicos ou ainda para os simples curiosos que gostam de acompanhar a vida política.


É também costume frisar a rápida e necessária adaptação destas funções à evolução tecnológica que nos acompanha (e, por vezes, ultrapassa) e, claro, as dificuldades inerentes e muitas vezes desconhecidas por que passa a descodificação dos discursos orais e a sua "tradução" para uma versão escrita que deve ser, ao mesmo tempo, fiel mas escorreita, integral mas formal, genuína mas publicável.

E é nesta fronteira invisível, difícil de traçar com rigor e quase impossível de descrever que reside o trabalho dos redatores (na verdade, atualmente, das redatoras).

A leitura dos 40 anos do Diário da Assembleia da República permite-nos perceber a extraordinária evolução por que a democracia representativa passou desde 1976. Não apenas nos conceitos, nas diferentes visões, nos acontecimentos, mas – e sobretudo – na forma como os Deputados debatem esses conceitos, essas visões e esses acontecimentos. Nas palavras que usam. Na forma como as usam. Nas manifestações do hemiciclo e nas manifestações no hemiciclo. Nos protestos e nos aplausos. Nas vozes e nos silêncios.

Mas seria muito injusto assinalar o Diário da Assembleia da República e os 40 anos que passam desde o seu primeiro número sem pensar nas pessoas, mulheres e homens, que desde sempre se dedicaram a ouvir, a registar e a transcrever cada palavra proferida em Plenário, ouvindo-as, reproduzindo-as e imortalizando-as em folha de Diário (hoje apenas digital), deixando-as na voz do orador sem alterar conteúdo ou estilo, mas não deixando de as filtrar tecnicamente, garantindo um resultado uno e homogéneo.

No fundo, não deixando de submeter as palavras e os discursos a uma espécie de Photoshop fino, quase impercetível, mas sem o qual o Diário não seria reconhecível.

Como é natural, é uma missão delicada, que exige técnica apurada e ultrapassa muito a simplicidade com que encaramos, normalmente, a mera tarefa mecânica de "transcrever". A qualquer recente redator é dito que o conjunto de instrumentos necessários a uma transcrição "fiel, escorreita e integral" demora cerca de três anos a adquirir. Estimativa otimista. Redatores e não redatores já ouviram dizer também que 15 minutos de reunião implicam, em média, cerca de três horas e meia de trabalho dedicado, concentrado, quase desligado do resto do mundo. Em média…

O que descobrimos depois, indo para além da estatística, é uma missão única, que tão depressa nos submerge no mundo da política pura como, com a mesma velocidade vertiginosa, nos embrenha nos pormenores mais técnicos de quotas leiteiras e espécies piscícolas, fazendo-nos passar (por vezes, na mesma tarde) por definições jurídico-filosóficas saídas de uma academia e, inevitavelmente, pelo cada vez mais inescapável universo da economia e do "orçamentês".

Sem nunca deixar de verificar uma única citação, uma regra gramatical ou de estilo e de procurar a melhor forma de não deixar inacabado um raciocínio. Sem falhar a votação de uma proposta, uma interpelação à Mesa ou uma interjeição que, subtil, condiciona o restante debate.

E sempre, convém lembrar, sem alterar conteúdo ou estilo, deixando uma marca de qualidade sem nunca deixar uma marca pessoal.

O cruzamento entre literatura e política revelou que o Presidente brasileiro Juscelino Kubitshek tinha, como acontece habitualmente, um assessor que lhe preparava intervenções e discursos, Autran Dourado, que dizia de si próprio "Eu era apenas a mão que escrevia".

Na verdade, as redatoras e os redatores do Diário da Assembleia da República são "apenas" um conjunto de mãos que vêm escrevendo, ao longo de 40 anos, parte importante da história da Assembleia da República. 

João Nuno Amaral 
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