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A CRISE DOS TROCOS (1917)

Em 1917, no decorrer da I Guerra Mundial (1914-1918), surge o problema da falta de trocos no comércio, agravando a instabilidade social e política vivida no país, consequência, em larga medida, dos baixos salários, da carestia de vida e da inflação, assim como da escassez e das dificuldades de abastecimento de géneros alimentares.
HML.
Títulos de "A Capital", em agosto de 1917, HML.
A razão estaria no aumento do valor dos metais utilizados nas moedas, superior ao seu valor facial, e no incremento da circulação de notas em papel. As moedas eram, assim, transacionadas ou guardadas como poupança, desaparecendo quase completamente do mercado.

A Capital, de 19 de julho, denuncia a situação, afirmando que “a moeda rareou porque emissários espanhóis vêm comprá-la a Portugal para a levar para o país vizinho” e que está a ser açambarcada como se tratasse de um bem de primeira necessidade. Apela à intervenção do Governo, pois a ausência de trocos inviabiliza “as pequenas transações de que o comércio vive” e as compras de quem não está “a abarrotar de maços de notas”.

O problema é apontado pela primeira vez na Câmara dos Deputados a 5 de julho por Adelino Furtado, que refere a crise dos trocos no Algarve:

“É grande a falta de moeda de cobre para trocos na província do Algarve. Isso dificulta, enormemente, as pequenas transações comerciais e dá em resultado que o povo se vê obrigado a fazer uma espécie de papel-moeda com assinaturas e carimbos. Acontece que algumas pessoas guardam moedas de cobre e de prata, não sei para que fim. Isto está causando grandes transtornos ao comércio e dá em resultado a propalação de boatos disparatados e inconvenientes.”

O tema volta a estar presente nas sessões seguintes, com vários Deputados a pedir providências ao Governo. O Ministro do Interior, Afonso Costa, responde na sessão de 1 de agosto, começando por referir que, para colmatar a falta de moedas, um elevado número de notas de 1$ e $50 tinha já sido posto em circulação. As notas eram do tempo da Monarquia, que voltavam a circular “apenas com a palavra República aposta por meio de um vulgaríssimo carimbo de borracha.” (1)

Afonso Costa contraria a tese de uma saída em larga escala das moedas para Espanha, afirmando existir “uma espécie de pânico que leva toda a gente a recolher as moedas de metal” e anuncia medidas futuras, como a impressão de “cédulas de $10 e $05 na Casa da Moeda” e a cunhagem da moeda “de $04, os patacos da República”:

“Essas moedas estão circulando num quantitativo de 70 contos e vamos elevá-lo a 700 contos. Como é uma moeda bonita – e que naturalmente durará tanto tempo como os patacos do monarca D. João VI – há de começar a ser guardada pelas meninas para marcar o quino. Isso, porém, não é [o] que embaraçará a circulação.

Estou convencido de que com o aparecimento das cédulas as dificuldades do pequeno comércio hão de desaparecer por completo.”

Mas o debate prossegue. A 3 de agosto, Casimiro de Sá afirma que as populações “recolhem o metal por desconfiarem do próprio Estado, por não terem confiança no crédito público”, pois as notas em papel têm apenas “o valor convencional que lhe dá o Estado”. Três dias depois, o Deputado Almeida Garrett argumenta que a “cunhagem das moedas de pataco” não resolve a questão, “sendo necessário cunhar moedas de $01 e $02”. Referindo que já nem um objeto é possível comprar por falta de trocos dos vendedores, apela à urgência da resolução da questão sob pena de se levar “o caso para a alteração da ordem pública para haver um pretexto de se dar tiros nas ruas da capital.”

Também no jornal A Capital, o problema da falta de “dinheiro miúdo” e da “dança dos papelinhos” continua a fazer manchete nos primeiros dias de agosto (2), com descrições satíricas sobre a recusa de notas pelos comerciantes e os conflitos gerados entre vendedores e compradores, provocando gritarias, insultos e até mesmo agressões físicas.

Para fazer face à crise instalada com a questão dos trocos, a 15 de agosto é publicado o decreto n.º 3296, que autoriza a Casa da Moeda a emitir cédulas de 0$10 e 0$02 e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a emitir cédulas de 0$05 e determina a troca das moedas de prata do tempo de D. Luís, D. Carlos e D. Manuel por essas notas. O diploma prevê ainda a recolha das moedas de cobre da Monarquia “à medida e na proporção da cunhagem das novas moedas de $01, $02 e $04”.

(1) A Capital, 22 de julho de 1917, p. 2.
(2) A Capital, 4, 5 e 6 de agosto de 1917.
Mais informações em: www.parlamento.pt
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